Plano para manter Bolsonaro no poder tinha inspiração em golpe militar de 1964, indica investigação da PF

Plano para manter Bolsonaro no poder tinha inspiração em golpe militar de 1964, indica investigação da PF

Eventos que desencadearam a longa ditadura militar brasileira foram mencionados por militares aliados do ex-capitão em diferentes estágios da trama


Foto: Divulgação/Arquivo Público DF

Porto Velho, RO - Os bolsonaristas responsáveis pelo planejamento da trama que visava manter Jair Bolsonaro (PL) no poder tinham inspiração no golpe militar de 1964, responsável pela implementação da ditadura no Brasil. A comparação aparece em mensagens de auxiliares do ex-capitão que discutiam o plano para impedir Lula (PT) de assumir a Presidência após a eleição.

As conversas foram reveladas pela Polícia Federal em seu relatório final sobre o caso, que teve seu sigilo levantado nesta terça-feira 26, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

A primeira menção explícita ao golpe que deu início ao governo ditatorial no Brasil é descrita pela PF no trecho em que os investigadores detalham as ações para pressionar o comandante e o Alto Comando do Exército a aderirem ao plano bolsonarista. Na ocasião, a Força era chefiada pelo general Freire Gomes e o Alto Comando – constantemente chamado de ACE nas mensagens bolsonaristas – era composto por 16 generais.

Em uma troca de mensagens do dia 16 de outubro de 2022 entre os coronéis Fabrício Bastos, que atuava no Centro de Inteligência do Exército, e Bernardo Romão Corrêa Netto, que assessorava pessoalmente o chefe do Comando Militar do Sul, os militares comparam, sem meias palavras, o momento vivido em 2022 ao cenário de 1964. A grafia das mensagens foi mantida conforme capturada pela PF.

“Duvido que em 64 esses esquerdistas tinham tanta liberdade de manobra quanto tem agora”, escreve o coronel Bastos após ser informado que o comandante do Exército e o Alto Comando da Força ainda não tinham aderido ao plano bolsonarista.

Em resposta, Corrêa Netto diz já ter conversado com Freire Gomes sobre o tema. “Ele [Freire Gomes] não acredita que haja uma ruptura que justifique uma intervenção”, anota o fardado. “E o ACE está alinhado”, completa, antes de dizer “estar revoltado” com a situação.

Trecho da conversa golpista entre os coronéis Fabricio Bastos e Corrêa Netto.
Foto: Reprodução/PF

A PF captou, ainda, menções a 1964 feitas pelo general Mario Fernandes, na época secretário-executivo do ministro Luiz Eduardo Ramos da Secretaria-Geral da Presidência e apontado pelos investigadores como o autor do plano para assassinar Lula (PT), Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes. A comparação entre os cenários, nesse caso, é feita em um arquivo de texto encontrado no computador do militar. O documento é uma carta direcionada a Freire Gomes. Novamente, o objetivo é tentar convencer o general a embarcar na trama. A carta foi, segundo a PF, propagada por Fernandes em vários aplicativos de mensagens.

“MARIO FERNANDES incita claramente o comandante do Exército a aderir a um golpe de Estado, indicando a realização de um ‘evento disparador como no passado’, possivelmente, fazendo referência ao golpe de Estado de 1964”, relatam os investigadores da PF no relatório final. “Tentou-se esse evento disparador no 08 de janeiro de 2023”, conclui, então, a PF.

Trecho da carta golpista do general Mario Fernandes ao comandante do Exército, general Freire Gomes. Foto: Reprodução/PF

Por fim, a PF também descreve a comparação com 1964 feita pelo tenente-coronel Mauro Cid, que ocupava o posto de principal ajudante de ordens de Jair Bolsonaro naquela ocasião. O militar, que se tornou colaborador da Justiça na investigação, era um dos principais articuladores da trama golpista.

Na conversa que manteve com o tenente-coronel Sérgio Cavaliere, Cid lamenta o fato de Bolsonaro não ter avançado, naquele momento, com a publicação da minuta golpista. O documento era visto como o principal ponto que daria respaldo jurídico ao golpe.

“Fomos covardes, na minha opinião”, diz Cavaliere a Cid após ouvir um áudio enviado e posteriormente deletado pelo ajudante do ordens. “Fomos todos. Do PR [referência a Presidente da República] e os Cmt F [referência a Comandantes das Forças Armadas]”, responde Cid.

O contexto da conversa seria um relato de Cid sobre a Marinha, sob comando do almirante Almir Garnier, ter disponibilizado tanques para o golpe. O Exército e a Aeronáutica, porém, não teriam embarcado na iniciativa, o que, segundo a investigação, adiou a oficialização da minuta do golpe produzida pelo ex-capitão. Após a explicação e conclusão sobre a ‘covardia’ do grupo, Cid dispara: “O problema é que muita gente garganta demais…64 não precisou de ninguém assinar nada“.

Diante da indignação do colega, Cavaliere segue com a comparação e insiste que o golpe militar deveria servir de inspiração para aquele momento. [Em] “64 estavam na mesma embromação; até que 1, apenas 1, surtou e votou [botou] a tropa na estrada; daí o efeito cascata; o primeiro que colocar os cães na rua leva o resto; a revolta está imensa”, diz o tenente-coronel.

Trecho da conversa golpista entre Mauro Cid e Sergio Cavalieri. Foto: Reprodução/PF


A conversa entre os dois militares ocorreu, segundo a PF, no dia 4 de janeiro de 2023, poucos dias antes da tentativa de golpe de Estado em Brasília. O evento, conforme mencionado, era tido como um possível estopim para o plano.

O relatório final da PF indiciou 37 pessoas, entre elas o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O documento foi enviado nesta terça-feira à Procuradoria-Geral da República, que deverá analisar o material e decidir se denuncia ou não os indiciados. O órgão chefiado por Paulo Gonet pode, também, pedir o arquivamento do caso ou solicitar novas diligências.

Fonte: Carta Capital

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