Lula e Ortega não se falam desde que o Brasil aderiu ao pedido internacional de libertação de um bispo católico preso no país
Porto Velho, RO - As ruas de Manágua, a capital da Nicarágua, comemoraram, no último dia 19 de julho, os 45 anos da Revolução Sandinista. Era o ponto alto – neste ano, pelo menos – das celebrações de um evento crucial da história da América Latina, que marcou a chegada da esquerda ao poder através da luta armada.
Enquanto milhares de pessoas vestidas de branco celebravam a data com apresentações de música e dança, o presidente do país, Daniel Ortega, ao lado da mulher, Rosario Murillo, exaltavam os avanços da reforma agrária e a melhoria na educação do país. “Somos livres e jamais voltaremos a ser escravos”, dizia Murillo aos presentes. Ela é vice-presidente do país.
Nem tudo, porém, era só comemoração. Embora representantes de Cuba, Venezuela e Rússia estivessem presentes na capital da Nicarágua, uma ausência não passou despercebida: a de Breno de Souza Brasil Dias da Costa, embaixador brasileiro no país.
Ao menos formalmente, esse foi o motivo da iminente expulsão do embaixador brasileiro do país governado por Ortega. O rompimento foi noticiado na quinta-feira 8 pela imprensa local e teve seus efeitos no Brasil. Nem o Itamaraty nem a diplomacia nicaraguense, porém, confirmaram de forma oficial o afastamento.
No metiê diplomático, a expulsão de um embaixador é um claro sinal de rompimento. Guardadas as diferenças de conjuntura, algo semelhante aconteceu na região, recentemente, quando o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, decidiu expulsar embaixadores de países que questionam o resultado das eleições realizadas no final de julho.
A decisão do governo Ortega, por sua vez, tem a ver com o estado atual da relação entre os dois países, praticamente suspensa de um ano para cá.
Ataques do governo Ortega à Igreja Católica
Mesmo com o histórico de apoio a Ortega, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se somou ao coro da comunidade internacional que critica a perseguição do presidente da Nicarágua à Igreja Católica. Mais especificamente, o brasileiro cobra a liberação do bispo Dom Rolando José Álvarez.
O religioso foi condenado a 26 anos de prisão por “traição à pátria”. Ele integrava uma equipe da igreja local que tentava mediar as conversas entre o governo Ortega – no poder desde 2007 – e a oposição.
No meio do ano passado, o papa Francisco chegou a pedir a Lula que tentasse convencer Ortega a libertar Álvarez. Menos de duas semanas depois, o próprio governo da Nicarágua anunciou a libertação do religioso, mas exigiu que ele saísse do país. A ideia era que ele fosse para o Vaticano. Álvarez, porém, não aceitou a condição e voltou a ser preso.
O que poderia revelar certo poder de influência do petista sobre Ortega acabou mostrando, na verdade, que a relação era praticamente inexistente. Em uma entrevista a correspondentes estrangeiros, em julho do ano passado, Lula revelou que o nicaraguense já não atendia mais as suas ligações.
“Falei com o papa e ele me pediu para falar com Ortega sobre um bispo que estava preso”, sintetizou Lula. “Ortega não atendeu ao telefonema e não quis falar comigo. Então, nunca mais falei com ele. Ou seja, eu acho que é uma bobagem”, disse Lula. Ele lamentou a postura, dizendo ser “favorável à alternância no poder”.
Antes disso, em março do ano passado, o Brasil se somou à lista de países que protestaram no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas contra a decisão de Ortega de retirar a nacionalidade de mais de trezentas pessoas na Nicarágua. Entre elas, estavam jornalistas, escritores e opositores, no geral.
Intensificação do autoritarismo
O último encontro entre Lula e Ortega aconteceu ainda em 2010, em Brasília (DF), quando o brasileiro se preparava para deixar a presidência. À época, Lula relembrou os feitos da revolução sandinista, dizendo que, décadas depois, via “com alegria que seu país, como outros da América Central, trilham hoje o caminho da democracia política e social”.
De lá para cá, muita coisa mudou. No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), durante as eleições presidenciais de 2022, tentou explorar a antiga proximidade de Lula com Ortega.
Na Nicarágua, o ponto de inflexão começou em 2018. À época, a aprovação de uma reforma no sistema de seguridade social levou a população às ruas. A reação das forças de segurança foi violenta: ao final daquele ano, cerca de 400 pessoas morreram por conta da repressão. A oposição denuncia que o governo chegou a usar aparato militar paraestatal.
Segundo dados da organização Concertación Democrática Nicaraguense (CDN) Monteverde, mais de 800 mil pessoas já migraram da Nicarágua, desde 2007, ano em que Ortega chegou ao poder.
Fonte: Carta Capital
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