Brasil registra recorde de conflitos no campo em 2023, mostra relatório

Brasil registra recorde de conflitos no campo em 2023, mostra relatório


A Comissão Pastoral da Terra aponta que o país computou o maior número de violência nas últimas quatro décadas, com quase um milhão de pessoas atingidas

Porto Velho, RO - Os conflitos no campo envolvendo disputa por terra, exploração de mão de obra e o uso da água alcançaram patamar recorde em 2023. É o que mostra o novo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado na segunda-feira 22.

Com 2.203 incidentes, este é o maior número registrado desde o início da série em 1986. Estima-se que 930 milhões de trabalhadores rurais tenham sido prejudicados por estas disputas.

A violência escalou especialmente na Bahia, com 249 casos, seguida por Pará e Maranhão, com 227 e 206 ocorrências, respectivamente.

A região Norte foi a mais afetada, com 810 casos, substancialmente mais do que as regiões Sul (168), Sudeste (207) e Centro-Oeste (353). O Nordeste também teve um número significativo de conflitos, com 665 registros.

A CPT atribui o aumento da violência à negligência dos governos estaduais e à repressão policial contra comunidades quilombolas, acampamentos e assentamentos de terras indígenas.

Um exemplo desta correlação ocorre na Bahia. O estado, recordista conflitos no campo, também testemunhou um aumento recorde da violência policial. Em 2023 foram 1701 mortes, o que equivale a mais de 26% do acumulado nacional.

Embora a omissão do governo federal tenha diminuído 22,9% no primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula, passando de 214 casos durante a gestão de Bolsonaro para 165, a violência associada aos governos estaduais cresceu 109,5%. Segundo a pesquisa, foram 58 ocorrências de omissão ou conivência e 103 ações policiais de intimidação armada e ameaças variadas nos entes federativos.

Dos tipos de conflito, o maior continua sendo por terra (1.724 casos), seguidos de ocorrências de trabalho escravo rural (251) e conflitos pela água (225).

Entre as disputas por terra houve um aumento de 7,6% no número de ocorrências, na qual 187.307 famílias foram impactadas.

A maior parte dos casos, cerca de 92,1%, aconteceram diante a ocupação e a posse das terras e/ou contra a Pessoa, totalizando 1.588 registros.

Essa violência se deu através de:

Invasões, em 181 ocorrências;
Pistolagem (165);
Grilagem (86);
Desmatamento ilegal (67);
Incêndios (34), e;
Contaminação por agrotóxicos (21).

No caso das invasões, o ano de 2023 também foi o que mais registrou ocorrências de expulsão no último decênio e o segundo em que mais se registrou expulsões dos territórios — foram 2.163 famílias expulsas.

A pesquisa destaca ainda o aumento de 194,1% das ocorrências de despejo judicial, passando de 17, em 2022, para 50, em 2023.

O relatório indica que, apesar de um diálogo mais aberto com os movimentos sociais, ainda há um longo caminho para a plena efetivação dos direitos das populações camponesas e tradicionais, como a reforma agrária e a demarcação das terras indígenas.
Indígenas são os mais afetados

Nesse ínterim, todos os conflitos repercutiram nos assassinatos de 31 pessoas, entre as vítimas 14 eram indígenas, 9 sem-terra, 4 posseiros e 3 quilombolas. Do total, 7 eram mulheres.

No último ano, um dos assassinatos que causou forte repercussão foi o da líder quilombola Mãe Bernadete, morta com 12 tiros, no quilombo Pitanga dos Palmares (BA).

Apesar de fazer parte do programa estadual de proteção a líderes de direitos humanos, Bernadete foi executada a mando do tráfico por lutar contra a extração ilegal de madeira e contra o tráfico na região.

No geral, o número de vítimas fatais teve uma diminuição de quase 34% em relação a 2022, quando foram mortas 47 pessoas no campo.

Outras 1.467 pessoas foram afetadas por diversos tipos de violência: 336 pessoas foram vitimadas por contaminação por agrotóxico;

218 foram ameaçadas de morte;
194 foram intimidadas;
160 foram alvo de criminalização;
135 foram detidas e 90 presas;
115 foram agredidas detenção e;
72 passaram por cárcere privado.

Trabalho escravo

Em 2023, 251 casos de trabalho análogo à escravidão foram denunciados, o que envolveu o resgate de 2.663 pessoas — a maior taxa registrada pelo relatório na última década.

Esses trabalhadores atuavam no campo com cana de açúcar, lavouras permanentes e temporárias, além de outros tipos de atividades rurais.

Entre pessoas relatadas com mão de obra explorada, mais de 699 estavam localizadas em Goiás.
As mineradoras e o conflito pela água

Em relação à água, houve uma estabilidade nos registros, segundo o relatório. Em 2023, os indicadores apontaram 225 casos de violência e no ano anterior foram 228 ocorrências.

Na disputa com fazendeiros e empresários, os maiores atingidos permanecem sendo a população indígena (24,4%) e os ribeirinhos (13,3%).

O ponto emblemático da discussão é a falta de cumprimento das leis que versam sobre poluição dos cursos d’água e contaminação por agrotóxicos.

Fonte: Carta Capital

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