O presidente da França, Emmanuel Macron, barrou o debate do acordo de livre comércio entre os blocos após pressão do setor agrícola francês
Porto Velho, RO - Em viagem oficial ao Brasil pela primeira vez, o presidente francês Emmanuel Macron chega a Belém (PA), nesta terça-feira (26/3), para uma série de compromissos no país, alguns deles junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A vinda do chefe de Estado ocorre em meio ao impasse no acordo de livre-comércio entre o Mercosul e União Europeia (UE), que é discutido há mais de 20 anos.
Nos últimos meses, a França tem sido a principal força de oposição para não celebrar o tratado: protestos de fazendeiros, pressão do setor agropecuário e de ambientalistas e até declarações contrárias de Macron são um dos exemplos desse “entrave” nas tratativas.
Os dois presidentes se reuniram na COP28, em Dubai Corbis/Getty Images
O texto chegou a ser assinado em 2019, pleno governo de Jair Bolsonaro (PL), mas, sem a ratificação dos dois blocos, tornou-se inválido. Em dezembro do ano passado, o Itamaraty esperava firmar o acordo, enquanto o Brasil ainda presidia o Mercosul.
Contudo, no mesmo período Macron fez duras declarações ao tratado entre os blocos: “Sou contra o acordo Mercosul-UE, porque acho que é completamente contraditório com o que ele [Lula] está fazendo no Brasil e com o que nós estamos fazendo, porque é um acordo que foi negociado há 20 anos, e que tentamos remendar, mas está mal remendado”.
“Adicionamos cláusulas no início para agradar a França, mas não é bom para ninguém, porque não posso pedir aos nossos agricultores, às nossas indústrias, na França e em toda a Europa, que façam esforços, que apliquem novas medidas para descarbonizar, para deixar certos produtos, para depois dizer: ‘Estou removendo todas as tarifas para trazer produtos que não aplicam essas regras”, concluiu.
Mesmo com as declarações contrárias de Macron, o governo francês tem evitado falar sobre o acordo entre Mercosul e UE, reforçando que o foco está nas eleições do Parlamento Europeu, que ocorrem em menos de três meses: “Oficialmente, o governo da França protela uma decisão, já que o foco para o país são as eleições no Parlamento Europeu este ano”.
Apesar disso, há uma expectativa de que Lula e Macron conversem sobre o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.
Confira a agenda de Macron no Brasil:
— Terça-feira (26/3), em Belém (PA)
Debate sobre o meio ambiente com Lula e indígenas
— Quarta-feira (27/3), em São Paulo (SP)Cerimônia de inauguração do submarino Tonelero
Discussão com Lula sobre planos de cooperação na produção de submarinos, bem como um programa de nacionalização de helicópteros
Ida ao fórum econômico na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB)
Possível passeio pela Avenida Paulista e visita ao Museu de Arte de São Paulo, o Masp
— Quinta-feira (28/3), em Brasília (DF)Conversa bilateral com Lula no Palácio do Planalto
Almoço no Palácio do Itamaraty
Visita ao Congresso Nacional
O protecionismo agrícola francês
Vale ressaltar que, tradicionalmente, o movimento de fazendeiros tem capital político significativo na França. Desta forma, devido à pressão do setor agropecuário, de ambientalistas e da sociedade civil franceses, Macron precisa alinhar seu discurso para agradá-los.
Esse protecionismo agrícola europeu, em especial o francês, é a principal barreira no processo de ratificação do acordo entre Mercosul e União Europeia. Segundo especialistas ouvidos pelo Metrópoles, a pressão desse setor e a “fragilidade” do atual governo francês são um dos fatores que contribuíram para que Macron assumisse uma postura mais contundente nas tratativas.
Flavia Loss de Araujo, professora de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e do Instituto Mauá de Tecnologia, afirma que o setor agrícola tem “uma longa tradição na Europa de barrar acordos comerciais”.
Isso porque, como explica a professora, “para esses grupos de fazendeiros e agricultores europeus, não é interessante fazer acordos de livre-comércio com países que têm grande capacidade competitiva” na área agrícola e pecuária, como: Brasil, Argentina e Austrália.
Para tentar barrar essas tratativas, o setor agrícola conta com a influência e o apoio do Estado para fazer lobby. “O protecionismo francês é antigo. O que tem acontecido, agora, é que eles estão pressionando muito o governo de Macron, que possui suas fragilidades e, por isso mesmo, tem que agradar esses setores”, explica Loss.
Apesar das tentativas do grupo de agricultores, a Comissão Europeia mostrou-se inclinada para continuar as negociações com o Mercosul. Países-membros, como a Alemanha e Espanha, indicam estarem dispostos a apoiar o andamento do acordo.
Carolina Pavese, professora de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), reforça que o apoio de Macron a essa agenda “vem para tentar contemplar e contentar esses grupos, que têm muita influência na política doméstica”.
Ela destaca que o protecionismo europeu tem “jogado gasolina” dentro desses movimentos, com o intuito de expandir o discurso eurocêntrico em pleno ano das eleições no Parlamento Europeu, que ocorrem de 6 a 9 de junho.
“As pesquisas apontam para um crescimento da representação dos partidos de extrema direita no Parlamento Europeu, que muitas vezes são partidos eurocéticos, que se opõem ao processo de integração. Então, gera uma série de obstáculos à própria UE”, conta.
Agora, nessa corrida eleitoral, candidatos da extrema direita têm se aproximado de movimentos e setores descontentes com a própria UE, visando usar a pauta do protecionismo para deslanchar as candidaturas dos seus respectivos partidos nas eleições.
“Esse é mais um capítulo nessa conturbada história do acordo, que apenas se coloca como mais um obstáculo entre tantos que já foram transcorridos. Mas, sinaliza que ainda não é um consenso e que o acordo, uma vez que entre em um processo de ratificação, vai encontrar oposição”, analisa Pavese.
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